O livro-reportagem
vencedor do prêmio Jabuti de 2014, o “Holocausto Brasileiro: vida,
genocÃdio e 60 mil Mortes no maior hospÃcio do Brasil”, escrito por Daniela Arbex
é um grito por justiça. Enquanto a sociedade e as autoridades tentavam esquecer
o massacre ocorrido Manicômio Colônia, situado na cidade mineira de Barbacena
durante séculos, Arbex deu voz aos sobreviventes e apresenta essa mancha de
sangue para o mundo.
Assim como aparece logo no
prefácio escrito por Eliane Brum, “O repórter luta contra o esquecimento.
Transforma em palavra o que era silêncio. Faz memória” (2014, p. 13). Esta é a exata função deste livro, romper o
silencio e resgatar as memórias dos prisioneiros que sofriam com os maus-tratos,
o abandono e o processo de desumanização ao chegar no Colônia.
Os internados na sua grande
maioria não sofriam com doenças mentais, ao contrário, eram apenas a escória da
sociedade, bêbados, drogados, prostitutas, mendigos, na maioria esmagadora:
negros. Em alguns casos ainda, esposas que eram internadas para que o marido
pudesse viver com a amante ou meninas gravidas que foram estupradas por seus
patrões. Em uma sociedade patriarcal o poder masculino e o dinheiro faziam com
que criassem diagnósticos falsos.
“[...] suas roupas eram arrancadas, seus cabelos raspados e, seus
nomes, apagados. Nus no corpo e na identidade, a humanidade sequestrada,
homens, mulheres e até mesmo crianças viravam “Ignorados de Tal” [...] comiam
ratos e fezes, bebiam esgoto ou urina, dormiam sobre capim, eram espancados e
violentados até a morte” (p. 16).
Foto: Luiz Alfredo/O Cruzeiro
Os “loucos” que morriam em milhares no inverno rigoroso mineiro ainda
serviam como meio de lucros; visto que, seus corpos serviam como meio de estudo
para diversas universidades de medicina que compravam diretamente com o
hospital. No auge de superlotação morriam cerca de 16 pessoas por dia, número
muito superior ao de morte nas UTI’s de
grandes clinicas hospitalares. Os filhos das internas ainda eram retirados das
mães logo que nasciam e seguiam para a adoção, um grande número de funcionários
adotaram estas crianças que cresciam sem saber da sua origem.
“Nos perÃodos de maior lotação, 16 pessoas morriam a cada dia e ao
morrer, davam lucro. Entre 1969 e 1980, mais de 1.800 corpos de pacientes do
manicômio foram vendidos para 17 faculdades de medicina do paÃs, sem que
ninguém questionasse. Quando houve excesso de cadáveres e o mercado encolheu,
os corpos passaram a ser decompostos em ácido, no pátio da Colônia, na frente
dos pacientes ainda vivos, para que as ossadas pudessem ser comercializadas” (p.
14).
Um livro duro de se ler, mexerá com os sentimentos do leitor e por vezes será obrigado a parar um pouco a leitura, mas é nossa obrigação como cidadãos conhecermos e divulgarmos uma história como está. Por todas as Marias e Josés que foram renegados pela sociedade brasileira.